Por José Antônio de Sousa Neto*
Consta que no ano de 1952, quando foi deposto por Gamal Abdel Nasser, o rei Faruk do Egito foi indagado por um repórter sobre quantos reis ainda existiriam no mundo ao final do próximo meio século. A resposta do antigo rei foi muito interessante: “Cinco reis, os quatro do baralho e aquele da Inglaterra”. Estou certo que não havia por parte do antigo rei nenhum menosprezo em relação, por exemplo, às respeitadas monarquias europeias, ou as asiáticas como a japonesa e a tailandesa, ou mesmo as monarquias árabes dentre outras. Ele se referia metaforicamente à grande força das instituições britânicas dentre as quais a própria monarquia e a família real.
Ao longo dos oito anos em que tive o imenso privilégio de servir como Consul Honorário do Reino Unido e representante do UKTI (United Kingdom Trade and Investment) no estado de Minas Gerais costumava às vezes brincar com meus amigos falando do meu trabalho também através de uma metáfora. Com um sentido absolutamente construtivo e um enfoque positivo e até mesmo otimista costumava dizer que em algumas ocasiões eu tinha a impressão de trabalhar para a Companhia das Índias Ocidentais – Versão 16.0! Uma combinação do público e do privado em uma composição virtuosa que infelizmente ainda se diferencia em muito da maioria dos países, mesmo de alguns já considerados como desenvolvidos.
Na evolução do Reino Unido não foram evidentemente e nem poderiam ser, pela própria natureza humana, só acertos. Imperfeições certamente persistem. A própria forma em si como a estratégia do referendo foi conduzida levanta algumas questões, mas ao longo dos séculos o Reino Unido soube apreender com seus erros, soube melhorar, soube evoluir no que há de melhor em termos de valores para a construção de uma sociedade próspera e em grande medida justa diante de si mesma e perante a comunidade das nações. No calor do resultado do referendo que ficou conhecido como Brexit, certa perplexidade percorreu o mundo. Muitos comentários, alguns inclusive sem uma recomendável reflexão mais profunda e outros até mesmo bem pouco generosos em relação à decisão tomada pelo povo britânico, acabaram por subestimar importantes e até mesmo prováveis implicações positivas para o Reino Unido, para a Europa e mesmo para outras nações como consequência do referendo.
Na foto abaixo a sessão de abertura do Parlamento Britânico
Mas para prosseguir gostaria de contar um fato pitoresco que aconteceu comigo enquanto ainda estudante na Universidade de Birmingham. Certa vez, ao entrar no lobby da escola me recolhendo de um típico dia chuvoso e com muito vento, daqueles em que o guarda chuva teima em virar pelo avesso, dei de cara com uma simpática oferta de programação de lazer para o fim de semana. No painel estava escrito como título da programação principal: “Viagem à Europa” (Trip to Europe). Naquele momento, com um sorriso no rosto, não pude deixar de perguntar a mim mesmo em qual continente estaria eu então. Certamente muitos veriam o título como uma manifestação clara, mesmo que inconsciente, de uma visão britânica peculiar e distanciada do mundo. Mas eu sabia que na sua essência o que estava realmente por detrás do “ato falho” do título era o inconsciente coletivo da determinação inquebrantável de toda uma nação por uma autonomia e uma independência baseada em valores duramente consolidados e instituições duramente construídas. E o leitor pode ter certeza que isto não significava, como não significa hoje após o Brexit, um “virar as costas” para a Europa. Muito pelo contrário! O Reino Unido sabe que precisa muito da Europa e pode também agregar a ela muito valor. Sabe com convicção que nenhuma nação individualmente pode prosperar e que a própria evolução global não pode se dar fora de um contexto de redes de cooperação, ajuda recíproca e integração. As questões fundamentais que levaram ao referendo na verdade não foram estas, mas a forma e a velocidade com as quais a integração pode e deve ocorrer no contexto atual da evolução histórica, social e econômica do continente europeu.
O leitor pode ter certeza que não estou subestimando os enormes desafios e riscos para o Reino Unido derivados do Brexit. A questão fundamental da competitividade de Londres como um dos maiores centros financeiros do mundo (que em conjunto com territórios da coroa ainda participa em quase um quarto de todas as transações executadas no planeta) é uma delas. Apesar do seu papel de liderança na Commonwealth (Comunidade Britânica de Nações), apesar do seu poderoso serviço diplomático conduzido através do FCO (Foreign and Commonwalth Office) e de toda a tradição do país nas áreas de comércio e investimentos não há dúvida de que os desafios de mercado serão complexos. O ex-primeiro ministro Tony Blair chama ainda a atenção para a grave questão do populismo: “It was already clear before the Brexit vote that modern populist movements could take control of political parties. What wasn’t clear was whether they could take over a country like Britain. Now we know they can”. Há ainda a questão da própria fragmentação do Reino Unido. A discussão na Escócia tem muitas motivações políticas legítimas e outras talvez nem tanto. A indução a uma maior fragmentação da Europa, pelo menos no horizonte mais próximo, também deve ser levada em conta. O renomado professor e cientista político da Universidade de Oxford James Tilley por outro lado, em entrevista recente à revista época, se manifestou através de uma perspectiva distinta: “Eu acredito que em três meses as pessoas já terão se esquecido disso. Essas negociações sem fim estarão se arrastando em um escritório em Bruxelas e nós, eventualmente, deixaremos a União. E, para a maioria das pessoas, as coisas não vão mudar radicalmente em nenhum sentido”. Provavelmente teremos uma combinação de tudo isso. Eu estou convicto, no entanto, independente das inevitáveis oscilações de tendências ao longo do processo, que o Reino Unido estará à altura de enfrentar todos os desafios criando riqueza e prosperidade para si mesmo e para seus parceiros. E isso certamente é mais provável para uma nação que tem alguns de seus valores capturados de uma maneira muito feliz no pensamento e na visão de que “o que é bom para o mundo é bom para o Reino Unido”.
Finalmente pode ainda não ter ficado claro para o leitor, após todas estas considerações, se acredito que Brexit é uma coisa boa ou uma coisa ruim. Possivelmente, dadas as minhas considerações mais acima de que prováveis consequências positivas tanto para o Reino Unido como para o resto da Europa estariam sendo subestimadas, alguns podem inferir que eu teria votado a favor do Brexit, o que na verdade não é o caso e nem é o que importa. Para mim o mais importante é a compreensão de que na maior parte das questões da vida e da evolução da sociedade para chegar mais rápido com frequência é necessário andar mais devagar. O Brexit é uma extraordinária oportunidade para a Europa e o Reino Unido se repensarem. Melhorarem a si mesmos e se refazerem ainda mais fortes. Andar um pouco para trás para caminhar melhor e de maneira mais sólida para frente. E daqui a vinte ou trinta anos, talvez um pouco menos ou um pouco mais podemos perfeitamente ter um Brentry. Muitos no Reino Unido e na Europa poderiam neste ponto parafrasear Lord Milton Keynes e dizer que “até lá já estaremos todos mortos”. Mas isto está perfeitamente dentro das naturais idas e vindas da evolução histórica. E que não sejam egoístas em relação às futuras gerações. Mesmo com relação às gerações atuais, para restabelecer as referências, basta olhar para a maior parte do mundo. Com ou sem Brexit o Reino Unido e a Europa estão e por um bom tempo ainda continuarão muito à frente da maior parte do mundo que os cerca.
No que concerne as já extremamente positivas relações entre o Brasil e o Reino Unido, para mim que acredita conhecer razoavelmente os dois lados, é inevitável um otimismo realista. Por inúmeras razões convergentes e algumas até distintas, mas convergentes temporalmente, vejo uma grande janela de oportunidades para incrementar as relações com o Brasil e com Minas Gerais nas questões institucionais, culturais de comércio e de investimentos. Independentemente da questão Europeia o Reino Unido precisa dar uma atenção ainda mais especial a seus esforços junto a outros mercados e o Brasil é um país importante. Sob a perspectiva brasileira, no novo ciclo que parece se abrir para a nação, é uma oportunidade de ouro para uma aliança estratégica com um parceiro global e confiável. E neste momento há um incentivo a mais para investidores dois lados: A Libra está barata e o Real também!
*José Antônio de Sousa Neto: Professor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE). PhD em Accounting and Finance pela University of Birmingham no Reino Unido.
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